11.680 Dias
A narrativa deste conjunto instalacional evidencia um gesto de mudança. Qualquer gesto opera mudança, tira do repouso.
Operações de mudança por mais necessárias que sejam, serão radicais, rupturas, remoção, porém inerentes à vida.
Aqui o conjunto selecionado indicia uma operação de mudança de residência, desassentar aquilo que já ganhara marcas sob o solo somado de tradição e história que abandona seu lugar para reinscrever e se realojar. São aspectos complexos que relativizam reflexões pessoais e cronologia transpostas em aporte poético para uma narrativa artística.
Não é versar sobre um olhar estrangeiro a uma ação, mas saber na pele do que se fala e opera em um percurso de trinta e dois anos de construção identitária.
Assim o homem constrói seu lugar: repleto de sí.
E sobre esta imanência, que agora vulto, é que este conjunto reflete sob esta operação de deslocamento histórico temporal, trazendo para dentro desta aura o expectador a conviver com a parte escrita, a tatuagem inserida em papel composta de suas emoções e elaborada a significação.
É na escrita que se organiza o sedimentar interno deste corpo emocional, escrever para ler, para saber e acreditar.
Mas no deslocamento do conjunto são leituras resignificadas: delas deslocam a narração por novos leitores, mas não o narrador onde se incrustaram as marcas.
São interpretações de signos/símbolos ao longo de trinta e dois anos ou 11.680 dias de forma íntima, em diárias [agendas], agora expostas de forma visceral.
São diários femininos, diários maternos, diários de trabalho, condensamentos de vida através do exercício da escrita. Escrita que empalidece sobre o papel, sobre o pergaminho, mas que internamente não perdem sua tonalidade a cada revisita.
Cada área que visualmente se impregnou nas páginas, também se impregnou no espaço arquitetônico e na própria pele.
Ao mesmo tempo são segmentos que, embora estejam contidos de forma íntima, se relacionam com o todo, pois a operação de deslocamento é comum à natureza humana.
É um contingente conceitual que operado sobre a formalização de uma instalação que pleiteia dialogar com outras intimidades, criando alianças para uma reflexão através de diversos campos sensíveis.
Cada mãe que de forma especular se identificar com algum segmento, cada mulher trabalhadora, esposa, ou visitante independente de gêneros, fará parte do desenho cartográfico que este conjunto representa na pele da artista, e em um manto de pele generalizada.
São linhas escritas que são parte de uma tessitura de pele ampla, somando tantas outras pessoas que habitam e desabitam espaços, que transmutam espaços físicos e psíquicos a favor de uma busca de aconchego com o lugar de viver.
Neste conjunto, instalação, também é possível deparar-se com a fabulação da própria vivência através da leitura etérea, passageira em uma obra aberta.
Serão todos como novas partes constituintes de um corpo unidade que não é mais apenas o da artista, mas parte de um todo que compõe um tomo mais amplo revestido de tecido social, por somas de contingentes de atravessamento de identidades e percursos que se identificam, mas não escritos ali.
Esta é uma qualidade da arte: que somente existe se ativa e quando diante de um interlocutor.
Segue então uma narrativa a chamar em diálogo tratando de negociar e reorganizar a uma memória coletivizada.
Um vídeo se apresenta no conjunto instalacional como segmento de imagem deste habitar. Este vídeo ladeado do conjunto de agendas, com as pequenas pistas deste discurso pessoal, como relicário aberto ao campo subjetivo interpretativo de todos.
A seleção efetivada sobre os temas visíveis topograficamente das agendas abertas dentro de uma caixa proteção, como um corpo de todas as histórias narradas, não são como imagens que entregam imediatamente o campo sensível mais latente, são como sussurros que são comentados de forma íntima assim como é o conteúdo todo, gerando esta relativa cumplicidade e deste gesto íntimo imagino como será uma partilha e chegada a outras agendas também inscritas de gestos íntimos, agrupando-se conceitualmente como um grande fascículo de poéticas inesgotáveis.
Rever 11.680 dias é rever incontáveis encontros, incontáveis emoções em singularidade e pluralidade, incontáveis faces e expressões que a artista assumiu e para ela assumiram, um conjunto instalacional que olha para a incomensurabilidade emocional que somos diante do binômio tempo espaço.
Cada vez que o artista expõe, é uma parte de si, de sua casa interna e seu viver que vai doado ao outro, e cada vez que o interlocutor se atenta, nos devolve com a mesma dimensão emocional. São reciprocidades que se agregam ao nosso corpo.
Sidney Philocreon
Artista Visual
junho 2015
11.680 Days
The narrative of this installation points out a gesture of change. Any gesture performs change, interrupts the inactivity. Movements of change, even if necessary, will always be radical and mean rupture, separation, yet, inherent to life.
Here the selection of works accentuates a movement of change of residence, removing what was already marked on the ground of tradition and history, movement that abandons its location in order to be reinstated and rehoused. Complex aspects that relativize personal thoughts and chronology converted to a poetical contribution to an artistic narrative. It is not about addressing an external view of a certain action, but to truly experience the subject addressed and performed in a journey of thirty-two years of identity construction. This is how man establishes his place: filled with himself. Upon such convergence, now a shade, this selection reflects on a historical and temporal displacement, taking the viewer to this aura so he can be familiar with the written part, the tattoo on a paper sheet made of its emotions with elaborated signification.
It is in the writing that the internal sedimentation of this emotional body is organized; write to read, to know and to believe. But in the selection’s displacement they are resignified readings: from them the narrative is displaced by new readers, but not the narrator, in which the marks were inlaid. Interpretations of signs/symbols along the thirty two years or 11.680 days in an intimate way, in diaries [appointment books], now exhibited viscerally.
They are feminine diaries, motherly diaries, work diaries, life condensed by the exercise of writing. A writing that pales on the paper, over the parchment whose tonality, internally, is not wasted with each revisit. Each area visually infiltrated on the pages has also permeated the architectonic space and its own skin.
At the same time they are fragments which, though incorporated in an intimistic way, are related with the whole, once the movement of displacement is common to human nature. It is a conceptual contingent that when performed over the formalizations of an installation that plead to dialogue with other intimacies, building up alliances for a thinking through many sensitive fields.
Every mother who in an specular way identifies herself with any fragment, every working woman, wife, or visitor, regardless of gender, will become part of the cartographic picture that this selection represents in the artist own skin, and in a cloak of generalized skin. Lines written as part of a large skin texture, gathering so many other people who inhabit and uninhabit spaces, which transmute physical and psychical spaces in the pursuit of coziness in the place where to live.
In this selection, installation, it is also possible to come across with the fable of their own experience through the ethereal and ephemeral reading in an open work. All of them will be as new constituent parts of a body unit that no longer only belongs to the artist but to a whole that makes up a larger volume coated with a social fabric, for sums of crossing contingents of identities and journeys that are identified but not written there.
This is a characteristic of art: it only exists if active before an interlocutor. What follows is a narrative calling for a dialogue attempting to negotiate and reorganize a collective memory. A video presents itself in the installation selection as an image segment of this occupation. This video, flanked by a set of appointment books with small tracks of this personal discourse, as reliquaries open to the interpretation subjective field of everybody. The selection carried out on the topographically visible themes of appointment books in storage boxes, as a body of all the narrated stories, is not the same as images that immediately deliver the most sensitive imaging field. Instead, they are like whispers discussed in an intimate way as it is the whole content, generating this relative complicity and before such intimate gesture I imagine how the sharing and the arrival to other appointment books also filled with intimate gestures will take place and will be conceptually grouped as a major issue of inexhaustible poetic.
To reexamine 11.680 days is to reexamine uncountable encounters, uncountable emotions in uniqueness and plurality, uncountable faces and expressions that the artist has considered and which were considered for her, an installation selection that approaches the emotional incommensurability that we are, on the binomial time-space. Every time the artist exhibits some work, a part of herself, of her inner home and living is gifted to the other and every time the interlocutor minds this, the same emotional dimension is given in return. These are exchanges aggregated to our body.
Sidney Philocreon
Visual Artist
junho 2015