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A Viagem Exterior, O Caminho Interior ou Vice-Versa

 

 

A paisagem e seu viés conceitual[i], memória e identidade, a tensão entre ficção e realidade, noções de narratividade e práticas de deslocamento, deriva e deambulação já eram questões presentes no início da produção da artista Angella Conte em colagens, objetos, esculturas e assemblagens. Essas questões ficam mais complexas a partir do momento que a artista passa a se dedicar quase que exclusivamente à linguagem do vídeo a partir de 2005. Os vídeos da artista começam a explorar de forma mais profunda estes assuntos que já permeavam os trabalhos anteriores.

 

Na exposição “A Viagem Exterior, O Caminho Interior ou Vice-Versa” [ii], todas as questões levantadas acima estão presentes, porém para o contexto da exposição optamos por apresentar um recorte da produção videográfica da artista que recai sobre pontos mais específicos como reflexões acerca do “documental”, as dimensões discursivas presentes na linguagem audiovisual a partir de seus procedimentos técnicos e de suas formas de exibição, assim também como problemáticas sócio-políticas e econômicas.

 

Durante o processo de desenvolvimento da exposição a partir destes pontos de partida conceituais acabamos nos voltando para a importantíssima exposição “a respeito de SITUAÇÕES REAIS” realizada em 2003 na cidade de São Paulo no Paço das Artes com curadoria de Catherine David e Jean-Pierre Rehm e produzida por Lígia Nobre e Cécile Zoonens através da plataforma exo[iii]. Como colocado pelas próprias produtoras no texto de apresentação do projeto, a exposição tratava de uma narração polifônica de uma realidade vivida e do interesse por algumas perguntas e não necessariamente por suas respostas: De que modo tal realidade (re) apresentada nos afeta e posiciona? De que modo ela é real?

 

Nas palavras do pesquisador e colaborador do projeto Jean-Claude Bernardet, a exposição buscava “perceber os sinais de uma renovação no trânsito entre arte e realidade e de encontrar atitudes artísticas [e, de fato, políticas] que modifiquem a nossa relação com o real e, por isso, redescubram-no ou descubram outras realidades”.

 

Na exposição da artista Angella Conte podemos observar desejos e questionamentos similares. Em vídeos como “Uma multidão arrastada pela Fé” e “Havana 1º de Maio”, isso se torna evidente. Que tipo de comentário está implícito nesses registros do “real”?

 

Além desses vídeos que podem ser analisados em sua individualidade, a exposição ganha complexidade e potência se analisada como uma grande instalação, não sendo observada do ponto de vista expográfico convencional de uma mostra de vídeos - no caso o agrupamento desses trabalhos e sua apresentação em conjunto transformam a exposição numa zona discursiva e dialógica, pois a relação entre os trabalhos pode ser pensada como um procedimento de edição e montagem audiovisual, porém de forma especializada[iv].

 

Neste sentido quando temos os dois vídeos citados acima postos em relação a trabalhos como “Paisagem que Passa”, “Rio 34 mil pés”, “Entre Tempos”, “Deslocamento” e “Nem mesmo escuto a minha Alma” se torna possível criar dentro da exposição uma grande narrativa a partir do encadeamento desses trabalhos.

 

Enquanto pessoas caminham para algum lugar, uma multidão se arrasta durante o evento religioso do Círio de Nazaré na cidade de Belém do Pará. Já em Cuba, trabalhadores marcham durante o feriado de 1º de Maio (Dia do Trabalhador) nas ruas de Havana festejando o governo. Do outro lado do oceano a artista caminha pelas vielas da cidade de Lisboa durante o período de extrema crise que Portugal vivia após o segundo abalo econômico vivido pelo país em 2008 e antes no ano de 2001. Apesar disso o entorno registrado no vídeo parece exibir uma desesperadora calmaria e placidez, enquanto a artista caminha metaforicamente quase como uma figura fantasmagórica ou um mau presságio. Resignação? E em Madri, também em meio à crise, num belo domingo, espanhóis descansam em um parque na beira de um rio como em uma pintura de Antoine Watteau. Síndrome de Poliana? Enquanto isso nuvens passam e um avião sobrevoa a cidade do Rio de Janeiro a 34 mil pés. O silêncio tomou conta da cidade.

 

A narrativa acima é somente possível de ser criada por conta das relações que se dão no agrupamento desses trabalhos, como colocado anteriormente. Esta narrativa abre espaço justamente para a ficção. Neste sentido os vídeos que aparentemente poderíamos enquadrar em uma linguagem documental acabam diluindo a fronteira entre real e imaginário, ou entre real e ficcional. Além dos comentários sociais, políticos e econômicos presentes nestes trabalhos - que têm seu discurso reforçado por procedimentos inerentes ao audiovisual como algumas formas de edição, sonorização, assim como o loop, enquadramentos e planos-  temos também a questão do tempo e espaço que inserem mais uma camada nesta equação, seja quando existe a contextualização de algum território ou localidade, geograficamente falando, ou quando se descontextualiza completamente. Assim também ocorre com a questão temporal que em alguns momentos parece se aproximar de alguma forma com o tempo cronológico, mas que na maior parte do tempo desconstrói essa forma de tempo criando outro tipo de timing.

 

Em a “A Viagem Exterior, O Caminho Interior ou Vice-Versa” fica evidente que não existe mais espaço para as “macro-narrativas”, nem para verdades absolutas. A micropolítica proposta por Deleuze e Guattari seria uma resposta, uma perspectiva para a vida. O que nos move? Em que queremos acreditar? Que história? Para onde precisamos ir para chegarmos a nós mesmos?

 

 

 

Bruno Mendonça

Grupo de Crítica e Curadoria do Centro Cultural São Paulo

 

Notas

 

[1] Diversos teóricos contemporâneos tem se debruçado sobre o tema da paisagem, desde Anne Cauquelin em seu livro “A Invenção da Paisagem”, assim como o importante geógrafo Milton Santos e a pesquisadora Renata Marquez que tem a alguns anos proposto relações bastante interessantes sobre arte e geografia. Sua produção pode ser conferida no site - http://www.geografiaportatil.org/ . Esses são apenas alguns exemplos para um aprofundamento maior sobre o tema.

 

[1] Expressão retirada do texto ”Lugares do Anseio” de Verena Kast, publicado na revista Humboldt (edição “Passagens”) do Goethe-Institut. A publicação trás uma abordagem sobre a viagem a partir de perspectivas etnológicas, filosóficas, psicológicas, da história da arte e da história da cultura. Link do texto - http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/159/pt11285896.htm

 

[1] Ver catálogo a respeito de SITUAÇÕES REAIS. Coedição Paço das Artes e exo experimental org. Abril de 2003. A exposição foi um desdobramento da exposição [based upon] TRUE STORIES, produzida e organizada em Roterdã pelo Centro de Arte Contemporânea Witte de With em colaboração com o FID – Festival Internacional de Documentários de Marselha e o Festival Internacional de Filmes de Roterdã, em janeiro-março de 2003. http://www.arquivoexo.org/praticas-documentarias

 

[1] A artista e pesquisadora Raquel Garbelotti irá realizar um reflexão interessante sobre algumas dessas questões a partir da exposição “a respeito de SITUAÇÕES REAIS” em seu artigo “Situações Reais: O documental e o instalativo como dispositivo político” (2013). Disponível em: http://www.arquivoexo.org/praticas-documentarias/ensaio

 

 

 

 

The Outer Journey, The Inner Path or Vice-Versa

 

 

In her first productions of collages, objects, sculptures and assemblages, Angella Conte already addressed subjects as landscape and its conceptual1 bias; memory and identity; the tension between fiction and reality; narrative notions and practices of displacement, drift and ambulation. Such topics became more complex since the artist started to focus her work, almost exclusively, on the video support, in 2005. Therefore the videos of the artist begin to explore more deeply what was already present in her previous works.  

In the exhibition “The Outer Journey, The Inner Path or Vice-Versa2”, all the topics mentioned above are existent but we choose to present a selection of the artist video production that addresses more specific issues such as observations on “documental”, the discursive dimensions that are present in the audiovisual media through its technical procedures and forms of exhibition, as well as socio-political and economic problems. 

While producing the exhibition with the already mentioned conceptual starting points we ended up turning to the very important exhibit “[based upon] TRUE STORIES” in São Paulo (April 29 – June 1, 2003) held in the city of São Paulo in the Paço das Artes Institution curated by Catherine David and Jean-Pierre Rehm and produced by Lígia Nobre and Cécile Zoonens through the Exo platform3. According to the producers themselves in the project’s presentation text, this exhibit was about a polyphonic narrative of a reality lived, and the interest for some questions but not necessarily for its answers: How does such reality affects us and places us?

How is it real?

In the words of the researcher and collaborator of the project Jean-Claude Bernardet, the exhibition aimed to “notice the signs of a renovation in the transit between art and reality, and to find artistic [ and, in fact, politic] attitudes that change our relationship with what is real and, as a result, re-discover it or even discover other realities.

In Angella Conte’s exhibition it is possible to notice similar intentions and questions to the ones in the Nobre and Zoonens exhibit. This is particularly evident in videos like “A multitude dragged by Faith” and “Havana 1st May”. 

What type of commentary is implicit in those registers of the “real”? 

In addition to the videos that could be analyzed in its individuality, the exhibition grows in complexity and power once it is considered as a big installation and not viewed from the conventional expography perspective of a videos exhibit . The selection of these works and their presentation as a collection transform the exhibit in a discursive and dialogic zone as the 

relationship between the works can be thought as a procedure of audiovisual editing and cutting, however in a specialized way4

In this sense, when we relate  the two videos mentioned with works like “Landscape that Passes”, “Rio 34 thousand feet”, “Between Times”, “Displacement” and “Can’t even hear my Soul” it becomes possible to create in the exhibit a long narrative from the chaining of these works. 

While people walk to some place, there is a crowd crawling along during the religious event of Círio de Nazaré in the city of Belém do Pará. As for Cuba, workers march during the holidays of May 1st (Labor’s Day) in the streets of Havana celebrating the government. Across the ocean, the artist walks through the alleys of the city of Lisbon during the period of extreme crisis that Portugal lived after the second economic crisis the country went through in 2008 and before 2001. Nevertheless, the environment recorded in the video seems to show a desperate calm and serenity while the artist metaphorically walks almost like a ghostly figure or a bad omen. Resignation? And in Madrid, also in the midst of crisis, on a beautiful Sunday, Spanish people resting in a park on the edge of a river as in an Antoine Watteau painting. Pollyanna Syndrome? Meanwhile clouds pass and a plane flies over 34,000 feet the city of Rio de Janeiro. Silence took over the city.

The story above is only possible to be created due to the relationships that occur in the grouping of these works, as stated previously. This narrative, precisely, makes room for fiction. In this sense the videos that apparently could fit in a documentary language end up diluting the border between real and imaginary, or between real and fictional. In addition to social, political and economic commentary present in these works- - that have their speech reinforced by procedures inherent to audiovisual as some forms of editing, sound as well as the loop, frameworks and plans - we also have the issue of time and space that insert another layer in this equation, either when there is a contextualization of some territory or location, geographically speaking, or when it is completely decontextualized. So it is with the timing aspect, which at times seems to get close in some way to the chronological time but, at most of the time deconstructs such form of time by creating another type of timing.

In the “The Outer Journey, The Inner Path or Vice-Versa” it is evident that there is no more place for the “macro-narratives”, or for absolute truths. The micro politics proposed by Deleuze and Guattari could be an answer, a perspective for life. What moves us? In what do we want to believe? What story? To where do we need to go to get to ourselves?

 

 

Bruno Mendonça

Critic of the Exhibition Program - Centro Cultural São Paulo

 

 

Footnotes

1 Many contemporary theorists have been working on the theme of landscape, from Anne Cauquelin in her book "The Invention of Landscape", as well as the important geographer Milton Santos and the researcher Renata Marquez who in the last years have been highlighting quite interesting relationships between art and geography. Their production can be seen  on the website - http://www.geografiaportatil.org/ These are just some examples for further development on the subject.

2 Expression found in “Places of Longing" by Verena Kast, published in the Humboldt magazine (issue "Passages") of the Goethe-Institut. This magazine presents an approach on traveling from ethnological, philosophical, psychological perspectives, history of art and cultural history.

Text link -  http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/159/pt11285896.htm

3 See catalog about “[based upon] TRUE STORIES” in São Paulo (April 29 – June 1, 2003), Co-Edition Paço das Artes and Exo Experimental Org. The exhibition was an offshoot of the exhibit “[based upon] TRUE STORIES”, produced and organized in Rotterdam by the Centre for Contemporary Art Witte de With in collaboration with IDF - International Documentaries of Marseille Festival and the International Festival of Films Rotterdam, in January-March 2003. http://www.arquivoexo.org/praticas-documentarias

4 The artist and researcher Raquel Garbelotti will hold an interesting view on some of these issues from the exhibit “[based upon] TRUE STORIES” in her article "True Stories: The documentary and the installation as a political device" (2013). Available in: http://www.arquivoexo.org/praticas-documentarias/ensaio

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