As Paisagens-Passagens de Angella Conte
Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc. etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também sabedoria mineral. Manoel de Barros*"
*"Desejar Ser"
In Livro Sobre Nada (1966-1998)
Ed. Record, 3a. ed., Rio de Janeiro, 1996 "
Angella Conte cria suas paisagens a partir de um sentimento de semelhança. " Nelas, podem figurar o campo ou a cidade, a natureza ou o meio urbano. A artista monta situações onde esses entornos se misturam e se confundem mutuamente. "
Qualquer que seja o cenário, o protagonista é sempre o ser humano, em meio ao desejo e à falta. O motor que move o trabalho é sempre o dilema da vida humana diante da possibilidade de solidão. E um movimento incessante, gerado justamente para tentar evitá-la, confortá-la, adaptar-se a ela. "
É por conta desse movimento que as paisagens de Angella Conte se tornam imagens de fluxo. São paisagenspassagens, que herdam da vida a sua potência de efemeridade. Na poética da artista, tudo se transforma e é consistentemente resgatado. "
Como a vida que passa e o sangue que circula nas veias, as coisas percorrem seus caminhos. Traçam uma narrativa enviesada, formando imagens que se expandem, reverberam, intrigam e confundem"
Para compor suas fotografias, vídeos e instalações a artista cata restos, pedaços de mundo e os reorganiza aos poucos, olhando atenta e afetivamente para cada um deles. "
O mesmo campo repleto de rolos de feno, por exemplo, é matéria-prima para obras diferentes. Em Provisão, o campo é iluminado com uma caixa de luz e emoldurado por janelas de madeira. Aqui, a artista cria uma poética do tempo, onde a ação é criada para garantir um sustento. Trata-se de um presente que vislumbra um futuro, reminiscente à fábula de La Fontaine, A Cigarra e a Formiga. "
Já nas duas obras que compõem a série Entre o Céu e a Terra, esse campo é miniaturizado, horizontalizado e, finalmente, fechado entre paredes de espelho e algodão. As superfícies que espelham e amaciam, respectivamente, fazem dessas imagens relíquias, jóias imagéticas a serem protegidas no tempo."
Na montagem fotográfica Paisagens Urbanas, são os becos que estão na berlinda das imagens. Esquinas, cruzamentos e passagens afuniladas são registradas em várias cidades e lugarejos e repetidas em uma arquitetura espremida, onde a falta de espaço produz uma sensação de encalacramento. Projetamo-nos dentro desse espaço
apertado e o que se sente é uma crônica falta de ar e de liberdade. "
No vídeo Paisagem 2, uma janela aberta apresenta zonas limítrofes. Seria a referida paisagem o lado de dentro, escurecido, onde se vê apenas a silhueta de dois objetos em movimento? A cadeira balança vazia, numa cadência repetitiva e vaga. O pássaro, preso ao teto por uma linha transparente, tem suas asas abrindo e fechando, movidas pela pulsão do vento. " Lá fora é dia. Na paisagem externa, o que se vê é o verde e a chuva. Áreas verdejantes desenham montanhas e revelam casinhas. A neblina esconde o horizonte, enquanto outra linha estira bandeirinhas de tecido encharcadas. "
Apenas ruídos sutis e indecifráveis atravessam a força daquele silêncio feito de claros e escuros, suspensão e movimento. A paisagem é tudo junto.“ A obra Procurando sela o conjunto da exposição com a noção de deslocamentos. Aqui, a natureza é substituída pela cultura, o verde, trocado pelo avião. " Uma caixa-moldura revela um belo acúmulo de papéis. Bilhetes aéreos, utilizados pela própria artista, se somam a cartas, mapas locais, anotações de viagens. Um pedaço da Torre Eiffel, uma foto com a Estátua da Liberdade. "
Imagens e textos se somam na espessura da caixa." O resultado plástico é uma tapeçaria de cores, texturas, imagens. Conceitualmente, Procurando reflete uma busca incessante, cujo percurso parece sempre terminar no próprio ponto de partida. Então, tentamos de novo. "
Procura-se o outro, procura-se afeto, procura-se felicidade. Procuram-se semelhanças do homem com a árvore e a rã e, talvez até, com a pedra. Como diria Manoel de Barros. "
Katia Canton
The landscape passages of Angella Conte
I was born to manage nothing
In vain
useless.
I belong to image.
I operate by similarities.
I get similarities of people with trees
people with frogs
of people with stones
etc.
I get similarities of trees with me.
I have no ability for clarity.
I need to get wisdom from plants.
(Plant Wisdom is naturally received a frog in the stem.)
And when it is appropriate for rock, I will have wisdom mineral. Manoel de Barros*
*"Desejar Ser"
In Livro Sobre Nada (1966-1998)
Ed. Record, 3a. ed., Rio de Janeiro, 1996
Angella Conte creates her landscapes beginning from a feeling of similarity.
In it is included the field or the city, the nature or the urban environment.The artist creates situations where this surroundings mixed and confuse each other.
No matter the scenario, the protagonist is always the human being, between the desire and the emptiness. The engine that moves the work is always the dilemma of human life at the possibility of solitude. In this incessant movement, generated just to try to avoid, comfort it and adapt to it. It is because of these movements that the Angella Conte’s landscape turn to images of flow. It is landscape-passages, that inherit from life their ephemeral power. In the poetic of the artist, everything transforms and is consistently rescued.
As life goes on and the blood that runs in the veins, things do its path. Construct a narrative biased, creating images that expand, reverberates, intrigue and confuse.
To display her pictures, videos and installations the artist look for remains, pieces of the world and organize it slowly, looking carefully and affectively to each of them.
The same field replete with rolls of hay, for example, is the raw material for different kind of work. In Provisão, the field is illuminated with a back light and framed by wood windows. Here, the artist creates a poetic of time, where the action is created to provide a livelihood. It is a present that envisions a future, reminiscent of the fable of Fontaine, The Grasshopper and The Ant. Since the two works that make the series Entre o Céu e a Terra (Between Heaven and Earth), this field is miniaturized, horizontalized and, finally closed between walls of mirrors and cotton. The surfaces that reflect and soften, respectively, make these images relics, imagistic jewelry to be protected by the time.
In the photomontage Paisagem Urbana (Urban Landscape), the alleys that are in the spotlight of the images. Corners, junctions and tapered passages are taken in many cities and villages and repeatedly in a squeezed architecture, where lack of space creates a sense of crushing. We project ourselves into this tight space and it feels like in a chronic lack of
air and freedom.
In the video Paisagem 2 ( Landscape 2), an open window presents adjacent areas. Would it be such a landscape inside, dark, where you see only silhouette of two objects in motion? The empty chair scales, in a repetitive cadence and vague. The bird, attached to the ceiling by a transparent thread, has its wings open and close, driven by the movement of the wind.
Outside is day. In the external landscape, what one sees is green and rain. Green areas draw mountains and show small houses. The fog hides the horizon, while other thread stretches little soaked fabrics flags.
Only subtle noises and indecipherable cross the power of that silence made of light and dark, suspension and movement. The landscape is everything.
The work Procurando (Searching) seals the exhibition with a displacement. Here, the nature is replaced by culture, the green, changed by a plane. The box frame shows a beautiful accumulation of paper. Tickets, used by artist herself, mixed with the letters, local maps, trip notes. A piece of Eiffel Tower, the picture of Stature of Liberty. Images and texts add up in the thickness of the box.
The visual effect is a tapestry of colors, textures, images. Conceptually, Procurando (Searching) reflects an endless search, whose route seems always finish in it own origin. Then, we try again.
We search for the other, seek for affection, seek for happiness. We look for similarities of the men with the tree and the frog, even ,with the stone. Like Manoel de Barros would say.
Katia Canton